O objectivo é
analisar a organização da Polícia em Lisboa.
Num primeiro
ponto, tentaremos compreender como os três ramos (segurança pública, administrativa,
investigação criminal) se estruturam dentro de uma mesma instituição durante
mais de trinta anos.
Tendo a
segurança pública como serviço base, inspecção administrativa e investigação
criminal foram, ao longo do período em estudo, autonomizando e subordinando-se
em relação ao centro, em processos não lineares e distintos entre si.
As questões que
se colocam neste ponto prendem-se em saber que características conferem
autonomia ou compelem à subordinação.
E ainda, em que momento
essa autonomia atingiu ou não uma total separação institucional.
Segurança
Pública
O ramo do
serviço policial designado Segurança Pública constituiu-se como a face visível
da polícia.
Era neste ramo
que estavam os polícias fardados que, dia e noite, percorriam as ruas da
cidade.
Eram estes
homens que ocupavam os lugares, ainda hoje, conhecidos como esquadras.
Foram estes
homens, que, a partir dos anos 1940, começaram a circular pela cidade em carros
patrulha.
Até 1893 a
Polícia Civil de Lisboa era constituída apenas por este tipo de polícias.
Foi desta base
que os ramos da polícia administrativa e polícia de investigação criminal se
autonomizaram.
Todavia, estes
dois ramos permaneceram sempre dependentes do facto de ser na segurança pública
que a maioria dos recursos humanos estava, tendo de esperar que fossem os
elementos desta a cumprirem muitas das suas competências.
Não podemos
esquecer também que, até aos anos 1920, todos os elementos que se fixavam quer
na administrativa, quer na investigação criminal eram exclusivamente recrutados
no pessoal menor da segurança pública.
Administrativa
A divisão entre
segurança pública e administrativa foi instável ao longo do tempo.
Esta
instabilidade reflectia-se na prática policial, mas também na própria formalidade
da lei.
Esta divisão
era, se não artificial, pelo menos muito difusa.
Por exemplo, se
compararmos a funções atribuídas aos polícias da segurança pública com as funções
atribuídas ao ramo de polícia administrativa constatamos facilmente que a maioria
se sobrepõe.
A letra da lei
atribuía ao ramo da polícia administrativa funções como a concessão e
fiscalização de licença e porte de arma; fiscalização do jogo ilícito; a fiscalização
de casas de espectáculo; a matricula de médicos, farmacêuticos e parteiras; o
licenciamento e fiscalização de mendigos e prostitutas (toleradas); moços e
fretes e criadas de servir; a inspecção da actividade de hotéis ou contratadores
de bilhetes, etc.
Na prática,
poucas destas funções podiam ser cumpridas exclusivamente pelos elementos
destacados na polícia administrativa.
Exceptuando as
funções, como a licença do porte de arma, em que se exigia ao cidadão que se
dirigisse à repartição policial para fazer o pedido, o ramo da inspecção
administrativa dependia da implantação territorial da segurança pública para
cumprir efectivamente as funções que lhe estavam atribuídas.
Na maior parte
do tempo a actuação da secção administrativa consistia em efectuar o expediente
burocrático, as licenças de porta aberta, a licença que transformava a prostituta
em tolerada, as licenças aos teatros, etc.
No entanto, a
fiscalização, que legalmente também lhe estava atribuída, dependia da acção dos
polícias nas suas esquadras e em patrulha para ser de facto colocada em
prática.
Por exemplo, a repartição da polícia
administrativa no edifício do Governo Civil de Lisboa passava a licença a uma
senhora para poder estabelecer uma casa de prostituição e ser ela própria prostituta.
Eventualmente,
um elemento dessa mesma secção faria uma avaliação para saber se o local era ou
não apropriado.
Com a licença
passada, a senhora tinha de cumprir uma série de normas inscritas nos
regulamentos policiais próprios e se não cumprisse seria multada, dirigindo-se
então à mesma repartição para pagar a multa.
Ora, a acção de
fiscalização só poderia ser feita pelo polícia da esquadra mais próxima e que em
patrulha passasse pelo local da dita casa.
Com os divertimentos,
reuniões públicas e demais funções o que se passava era em tudo semelhante.
Era pois
impossível à secção administrativa cumprir eficazmente as suas funções sem a participação
do ramo de segurança pública.
Contudo, algumas
funções, muito específicas, como a fiscalização de pedreiras ou certos
alimentos, eram cumpridas exclusivamente por elementos da polícia administrativa.
Estas
competências deixaram progressivamente de estar a cargo de instituições
policiais comuns, dada a especificidade do seu trabalho.
Quando determinados
serviços exigiam um grau de especialização maior, a tendência ao longo do tempo
foi a de deixarem de ser os serviços policiais os encarregados da sua execução.
Alguns indícios
levam-nos a perspectivar que esta separação pode ter, de facto, acontecido.
Em primeiro
lugar, a quantidade de serviço efectuado pela administrativa, sem que a
segurança pública interviesse de alguma forma, aumentou ao longo do período
aqui em estudo.
Licenças para
passar, fiscalizações para fazer em assuntos como a segurança alimentar ou das
salas de espectáculo aumentaram consideravelmente.
O número de
elementos da administrativa cresceu, e a própria legislação indicou com maior
exactidão o número de elementos da administrativa.
No entanto, os
anos seguintes iriam inverter esta tendência de autonomização.
A extinção
definitiva da polícia administrativa no quadro institucional da Polícia Civil
ocorre em 1928.
Coloca-se então
a questão: para quem foram transferidas as suas competências?
Algumas tinham já
adquirido um tal grau de especialização que foram transferidas para organismos
não policiais na administração central ou municipal.
Uma parte das
competências, sobretudo as relativas ao espaço público, foi atribuída em 1931a
uma nova organização, a Polícia Municipal.
A primeira
competência da Polícia Municipal era a fiscalização o cumprimento das posturas
municipais.
Em 1931, o
serviço de polícia municipal autonomiza-se então em relação à “casa mãe”.
Apesar de o seu corpo e organização serem transplantados da polícia de segurança
pública (os seus elementos continuavam a reger-se pelo regulamento da PSP), institucionalmente
a Polícia Municipal estava incorporada nos serviços centrais da Câmara
Municipal de Lisboa.
Institucionalmente,
operou-se de facto uma mudança, passando a câmara a deter um maior controlo sobre
os elementos que antes já financiava.
Organizacionalmente,
as diferenças não foram no entanto tão significativas.
A estrutura era
uma cópia da PSP.
Desta forma,
concluímos que a mudança na relação entre Município e Polícia operou-se
essencialmente a um nível institucional, uma vez que, quanto à organização, a
situação permaneceu praticamente inalterada.
A existência de
um ramo denominado polícia administrativa dentro da organização policial seguia
o modelo de várias policias urbanas da Europa continental.
Desta forma, as funções que exigiam maior
trabalho burocrático foram durante anos cumpridas, inteira ou parcialmente,
pelos elementos da administrativa.
Ao longo do
tempo, as competências da secção administrativa modificaram-se de forma
significativa.
Esta mudança
ficou a dever-se mais a transformações exteriores à própria polícia, do que a
mudanças internas.
Assim, uma parte
destas tarefas tornou-se tão especializada que deixou de ser executada pelos serviços
policiais comuns.
Por exemplo, a
fiscalização do leite e outros serviços de higiene e saúde pública passaram
para serviços técnicos especializados.
Outra parte das funções
administrativas foi transferida para uma polícia mais direccionada para os assuntos
de administração municipal.
Dentro da organização
da polícia de segurança pública o ramo de inspecção administrativa foi perdendo
o fundamento da sua existência.
Apesar disso, ao
longo da década de 1940, e posteriormente, continuou a existir dentro da PSP
uma secção administrativa. Era, no entanto, uma secção ínfima quando comparada
com as décadas anteriores.
Investigação
Criminal
Compreender o
ramo de investigação criminal, enquanto parte dos serviços prestados pela
Polícia Civil, implica olhar para o desenvolvimento da criminalidade num
sentido mais amplo.
Ao longo da
segunda metade do século XIX as práticas criminais alteraram-se sobretudo na
forma como eram percepcionadas pela sociedade.
Com o movimento
da Regeneração em 1851 e a paz política e social por ele proporcionada, a
pequena criminalidade deixou de estar associada às revoluções políticas e
sociais que tinham ocorrido nas décadas anteriores, para passar a ser encarada
como uma questão, um problema, social.
A criminalidade
podia e devia, segundo os discursos políticos da época, ser combatida através
da acção directa do Estado.
Os números da
criminalidade aumentaram na pequena criminalidade, sobretudo a que atentava
contra a segurança das pessoas, e não, como nas sociedades mais industrializadas,
contra a propriedade (Vaz, 1998: 227).
Era uma intolerância
face às formas de violência quotidiana que mais tendia a desencadear a acção
repressiva estatal.
O fenómeno da
criminalidade assumiu então um lugar central na sociedade portuguesa. Profusamente
discutido nos jornais, comentado na rua, discutido por políticos e analisado
por novos especialistas.
Todos formularam
teorias e medidas de combate a este, cada vez mais visível, flagelo social.
Neste contexto,
a Polícia Civil via-se apenas como mais uma a lidar com um problema tão
presente no quotidiano urbano.
Dentro do
Estado, diversas instituições estavam relacionadas com este combate, desde a complexa
máquina judicial até às instituições prisionais (Barreiros, 1980; Subtil, 1991;
Santos, 1998, Marques, 2005; Garnel, 2006; Vaz, 1998).
Outro campo a
destacar-se no combate ao crime foi o da ciência.
A construção de
saberes académicos, ligados a proto–ciências sociais ou, mais frequentemente, a
uma popular corrente de medicina social, fez-se sentir em Portugal em linha com
o que vinha acontecendo no resto da Europa.
Estes eram os impulsionadores
de uma disciplina especificamente designada de criminologia (Becker, 2006;
Garnel, 2001, 2002a, 2002b, 2003).
Serão estas
abordagens científicas do crime que, mais directamente, se repercutirão nos
serviços da Polícia Civil.
As teorias de
identificação dos indivíduos, segundo parâmetros físicos e psicológicos (o
sistema Bertillon era o mais popular), ganharam peso entre os decisores
políticos.
A organização de
registos de identificação criminal conduziu à criação dentro da polícia de
serviços de “antropometria policial”, directamente ligados com os serviços de
investigação criminal (Madureira, 2003, 2005).
Estas práticas
tornaram-se frequentes na investigação de crimes.
Reconhecer um
morto, identificar desertores e foragidos, técnicas de coligir provas em cenas
de crimes, de interrogar testemunhas, enfim, todo um conjunto de práticas que
conduzissem à obtenção de informações para resolução dos crimes.
Ao longo do
período em estudo a evolução dos serviços policiais do Estado acentuou a
separação entre a prevenção da criminalidade, efectuada pela segurança pública,
e a acção de investigação criminal ou post-delituais.
A especialização
técnica desta última área evoluiu de forma tão consistente que a isolou dos
restantes serviços policiais.
A fronteira
entre estas duas áreas, a prevenção e a investigação, era incerta do ponto de
vista prático.
Algumas formas
de actividade criminal cuja prevenção não era assegurada apenas pela acção
estática de presença da segurança pública, eram assumidas pela Investigação
Criminal.
Enquanto que
alguns procedimentos de investigação – os que tinham de ser feitos imediatamente
após o crime – eram efectuados por elementos da segurança pública, normalmente
os primeiros a chegar ao local do crime.
Assim, apesar de
se acentuar uma separação institucional e organizacional cada vez mais
evidente, manteve-se um cruzamento de práticas que nunca permitiu um corte
total.
Institucionalmente,
a separação dos serviços de investigação criminal das restantes áreas da
Polícia Civil de Lisboa inicia-se na reforma de 1893.
Enquanto a secção
administrativa era dirigida pelo antigo Comissário Geral da Polícia Civil, Cristóvão
Morais Sarmento, mantendo-se desta maneira uma estreita ligação entre segurança
pública e administrativa, a investigação criminal, pelo contrário, teve uma chefia
de facto autónoma.
A direcção dos
serviços de investigação criminal foi assumida por um juiz de direito, pago
pelo Ministério da Justiça e que só em assuntos de administração corrente
estava sujeito ao Comandante Geral da Polícia Civil.
Com um regulamento
autónomo, este ramo policial era constituído por um corpo fixo de agentes, a
que se juntaria um número variável de guardas da segurança pública.
As suas competências
eram: receber as queixas criminais, elaborar os autos sobre todos os crimes que
tenham ocorrido, fazer as diligências necessárias para descobrir os culpados e
coligir provas para serem utilizadas em tribunal.
Ao contrário do
ramo da polícia administrativa, a investigação criminal vai constituir-se como
um serviço totalmente à parte dentro da Policia Civil.
Em 1902, pela
primeira vez, será promulgado um regulamento de polícia judiciária sem se enquadrar
numa reforma mais ampla dos serviços policiais.
Através deste
regulamento, concentraram-se as acções de investigação criminal no Juízo de Instrução
Criminal de Lisboa.
Ou seja,
tratava-se do mesmo corpo de investigação, funcionando no mesmo local, com os
mesmos homens mas agora sob uma outra designação que enfatizava o poder da
magistratura judicial sobre este ramo de serviço.
Neste regulamento
reconhece-se que a maior parte dos crimes “exigem no seu plano, preparação e cometimento
o concurso de muitos autores, cúmplices, encobridores, e até inconscientes intermediários”.
Era, por isso,
evidente “que as investigações e diligências necessárias ao descobrimento de
tão graves atentados (…) reclam[av]am tamanha multiplicidade de trabalhos” que
apenas um corpo especializado e autónomo em relação à Polícia Civil podia de
forma eficiente cumprir o mandato de que estava investido.
Desta forma, se afirmava
a especificidade das práticas de investigação criminal e o seu elevado grau de especialização,
devendo por isso ser este ramo policial revestido de capacidades distintas das
outras duas divisões policiais.
Ao contrário da
secção administrativa, que viu o quadro de pessoal aumentar para depois ser
praticamente extinto, a Investigação Criminal constituiu um corpo próprio em
1893, paulatinamente aumentado ao longo dos anos.
Esta
consolidação de um quadro de pessoal próprio permitiu-lhe, de facto, forjar uma
cultura profissional própria.
Este elemento
vai ser, durante os anos 1920, fundamental para a separação institucional, que
atingiu mesmo a mudança de tutela ministerial.
A acção do Juízo
adquiriu grande visibilidade pública no início do século XX.
Um dos seus
directores, o Juiz Veiga, ficou conhecido como o Pina Manique do século XIX.
Esta
visibilidade vinha não só da investigação criminal como também das suas acções
enquanto polícia política.
Neste contexto,
não espantou ninguém que uma das primeiras medidas da República fosse a
extinção do cargo de Juiz de Investigação Criminal.
Sem mais nenhuma medida tomada, o serviço de
investigação criminal passou para o comandante da Polícia Cívica.
Pouco tempo
depois, no entanto, “se reconheceu que os complexos e difíceis serviços daquela
investigação policial não podiam continuar a ser dirigidos por essa autoridade,
desconhecedora, por completo, do que hoje são os interessantes e complicados
trabalhos de investigação”.
Neste sentido, criou-se
o lugar de chefe de repartição de investigação criminal na directa dependência do
comandante da Polícia Cívica.
A partir desse
momento a acção do comandante da Polícia Cívica, no que respeita à investigação
criminal, seria constantemente alvo de reparos e criticas, ao ponto de se criar
uma autêntica guerra de poderes dentro da Polícia.
À semelhança do que
tinha ocorrido com a reforma de 1893, a investigação criminal, depois do corte
de autonomia em 1910/1911, voltaria a ganhar um grau de independência que
seria, a partir daí, um processo sem retorno.
Este não foi
contudo um processo linear, a situação conflituosa iria dar origem a regulares
reafirmações do estatuto da investigação.
Em 1917, uma
portaria do Ministério do Interior assegurava que nenhuma das alterações introduzidas
desde 1910 “quiseram decerto dar aos serviços dessa polícia [de investigação
criminal] uma amplitude e autonomia que importassem o restabelecimento do extinto Juízo
de Instrução Criminal”.
Assim,
«considerando que as expressões “no comando” ou “junto do comando” são
equivalentes e ambas deixaram integrada a polícia de investigação nos serviços
gerais da polícia cívica e, portanto, a subordinaram ao mesmo comando,
orientação mantida na legislação republicana».
Nesse sentido, convindo
recordar o significado das palavras “junto do comando”, expõe-se a situação do
pessoal reconhecendo-se “explicitamente que o pessoal da policia de
investigação criminal, tanto como o da policia de segurança é pessoal da
polícia cívica de Lisboa; acrescendo que o director da polícia de investigação
fosse considerado entidade autónoma, sem subordinação alguma ao comandante da
Polícia Cívica”.
Com o tempo a República
tinha acabado por assumir o modelo adoptado no final da monarquia constitucional.
Modelo que, de
facto, nunca tinha abandonado.
No final da 1ª
guerra mundial a reorganização dos serviços da Polícia Cívica procedeu à
dissolução da secção de polícia de investigação criminal.
Apontava-se logo
aí as direcções que se devia seguir na reorganização deste serviço.
Assim,
dissolvia-se a investigação criminal como ramo da Polícia Cívica, mas
indicavam-se as normas que uma Polícia de Investigação Criminal completamente
autónoma deveria no futuro possuir.
Durante o
período Sidónio Pais (1918) a direcção da polícia de investigação tinha sido
entregue a um oficial do exército.
Agora, em 1922,
reafirmava-se que o director e os adjuntos do serviço de investigação criminal
“devem ser técnicos de competência, saídos da magistratura judicial”.
Mais, os
directores teriam agora plenos poderes no recrutamento, instrução e disciplina
dos elementos da investigação criminal.
Em 1925, numa
nova reforma dos serviços da Polícia Cívica, ainda se consideravam os serviços
e o pessoal da investigação criminal como parte integrante da Polícia.
No entanto, os
caminhos teoricamente enunciados no final da República seriam concretizados na
vigência da ditadura militar.
A principal
medida foi o assumir da preponderância da magistratura judicial sobre os
serviços de investigação criminal.
Em Dezembro de
1927, os serviços de investigação criminal são transferidos para a tutela do
Ministério da Justiça.
As instalações
deixam o Edifício do Governo Civil, onde coabitavam com a Segurança Pública, e
são transferidas para o Torel.
Só a partir
desse momento, a Polícia de Investigação Criminal se constituiria como uma
instituição completamente autónoma.
Durante o ano de
1928, um conjunto de medidas dotaria a PIC de um quadro próprio, com serviço de
administração próprio.
Em 1929, o processo
de mudança completava-se com o decreto que sistematizava as normas que regiam a
PIC.
Como qualquer processo
de mudança, esta transição, entre a tutela do Ministério do Interior e o Ministério
da Justiça, acabou por deixar “rasto”, isto é, não houve uma separação total e abrupta.
O Posto
Antropométrico, um dispositivo de identificação criminal utilizado pela
investigação criminal, manteve-se na dependência do Ministério do Interior, mas
sem estar integrado na Polícia de Segurança Pública.
Esta iniciou
mesmo o seu próprio serviço de investigação criminal (Madureira, 2005).
A separação
entre a segurança pública e a investigação criminal foi um processo profundamente
enraizado, não apenas a um nível institucional ou organizacional, mas numa
cultura profissional marcadamente distinta.
A chave
explicativa para este processo está na “cientifização” da investigação criminal.
Como dizia um conhecido criminologista, “a Policia de Investigação Criminal
deixou de usar processos inquisitoriais estúpidos e bárbaros, para se converter
numa ciência e duma vocação especial, demanda cultura e estudo”.
Enquanto a investigação
criminal avançava, em linha com outras áreas da governação, para a especialização
e construção de discursos e práticas científicas, a segurança pública continuou
a ser uma prática quotidiana de negociação de uma ordem circunstancial.