Nesta semana, assinalou-se uma efeméride que
evoca um dos momentos mais ilustres e importantes da construção do Estado e da
afirmação de uma Justiça melhor e mais eficaz no combate a todas as formas de
crime.
Há 96 anos, Sidónio Pais assinou o Decreto que
haveria de criar a Polícia de Investigação Criminal, a PIC, a mãe da actual PJ,
e que, para a época, foi um notável avanço nas estruturas esclerosadas,
inquisitoriais, de combate ao crime.
A PIC nasce da Repartição de Polícia Científica
da Morgue de Lisboa e, no dia do seu nascimento, foi publicado outro Decreto
que deu corpo e vida aos Institutos de Medicina Legal que hoje ainda
conhecemos, desaparecendo a morgue com todo o cortejo de horror que lhe estava
associado.
A PIC é a primeira grande síntese do pensamento e
da acção de grandes pensadores que, desde as últimas décadas do séc. XIX,
combatiam e denunciavam a justiça do compadrio e da vergonha.
Trazia consigo a ideia da prova material.
O reconhecimento da importância da Ciência num
território até então monopólio da vontade do juiz, obrigando à revisão dos
métodos e processos de investigação baseados nas confissões dos réus, na
tortura, nos testemunhos de ouvir dizer.
A PIC vai integrar os conhecimentos já muito
avançados de medicina legal, de impressões digitais, de balística, de biologia
e química, particularmente no domínio dos venenos e falsificações, em diversas
áreas do saber que, até esse tempo, bem longe andavam das salas de audiências.
Foi uma geração de homens notáveis.
Republicanos, monárquicos, gente que começava a
perceber que fazer Justiça era o acto mais sublime de defesa dos Direitos
Humanos.
Desde Miguel Bombarda a Júlio de Matos, de Sobral
Cid a Asdrúbal d’Aguiar, entre muitos, tendo como organizador maior Azevedo
Neves, o combate pela criação da PIC transportava essa fome poderosa de criação
de uma sociedade mais justa.
Passou quase um século.
Revolucionaram-se técnicas e tecnologias.
As ciências forenses ganharam carta de alforria,
a investigação criminal tornou-se num instrumento privilegiado e cada vez mais
eficaz de combate ao crime.
Porém, mesmo depois de tanto se ter andado, ainda
sabe a pouco.
A Justiça justa procurada pelos homens livres e
justos que a sonharam continua por cumprir.