O primeiro julgamento britânico a admitir as impressões digitais como prova foi em 1902, num caso em que o autor do crime foi condenado pelo furto de umas bolas de bilhar, foi neste caso de homicídio que a nova metodologia de identificação humana fez furor.
Há mais de duas décadas, que Thomas and Ann Farrow geriam um estabelecimento de tintas em Deptford - South London que ficava no rés-do-chão do apartamento onde residiam. Este casal, já idoso, era conhecido e estimado por toda a vizinhança e tinha hábitos regulares. Em Março de 1905, intrigados por o estabelecimento não se encontrar em funcionamento como era habitual, outros empregados forçaram a entrada.
Ambos os idosos tinham sido selvaticamente agredidos. Thomas Farrow estava morto no interior do estabelecimento e na residência, em cima da cama do quarto, foi encontrada a esposa, Ann Farrow. Encontrava-se toda ensanguentada, inconsciente mas viva. Foi levada para o hospital onde faleceu quatro dias depois sem recuperar a consciência.
Era do conhecimento geral que todas as segundas-feiras entregavam as receitas da semana do estabelecimento ao seu proprietário, pelo que, quando no chão do quarto foi encontrada a caixa do dinheiro a a sua gaveta interior ambas vazias, houve poucas dúvidas de que o roubo tinha sido o motivo do crime.
Foram encontradas três máscaras feitas a partir de meias de senhora em seda, uma junto à caixa do dinheiro no primeiro andar e duas no rés-do-chão, no interior do estabelecimento. Esta descoberta sugeria a presença de mais do que um intruso.
A caixa do dinheiro e a gaveta interior foram examinadas pela Scotland Yard Fingerprint Branch que encontrou um vestígio digital na gaveta que não correspondia às vítimas ou aos polícias presentes no local (um deles admitira ter mexido nos objectos quando chegou ao local). O vestígio também não foi identificado com nenhuma das oitenta mil impressões digitais então constantes nos ficheiros da Scotland Yard.
O leiteiro e o seu empregado testemunharam ter visto dois homens sair do estabelecimento cerca das 7h15 do dia do crime. Pela descrição que fizeram do vestuário dos dois indivíduos, originou rumores entre a vizinhança sobre dois indivíduos – Albert e Alfred Stratton, dois irmãos anteriormente referidos como gatunos e que tinham sido vistos nas redondezas do local do crime.
Quando foi interrogada, a senhoria de Albert Stratton, recordou-se de lhe ter sido pedido um par de meias velhas, o que ela recusou. Afirmou ainda que, mais tarde, quando arrumava o quarto do hóspede tinha encontrado escondida no colchão, uma máscara feita a partir de uma meia de senhora.
A amante de Alfred Stratton forneceu elementos adicionais. Sem disposição para defender o seu violento amante – ela ostentava um olho negro –revelou que, na noite do crime, ele não tinha estado em casa e que, no dia seguinte, pintou de preto os sapatos castanhos e a gabardina que usava tinha desaparecido.
Alfred foi localizado uma semana depois. Afirmou que o irmão tinha saído para o mar, mas, no dia seguinte, Albert foi localizado numa casa das redondezas. Foram levados para a esquadra de polícia onde lhes foram recolhidas as impressões digitais de todos os dedos das mãos e foram comparadas com o vestígio digital recolhido no local do crime, tendo sido identificado com o dedo polegar da mão direita de Alfred Stratton.
Ambos os irmãos foram acusados de homicídio.
No julgamento, quando as testemunhas não conseguiram reconhecer nenhum dos irmãos como os homens que tinham visto sair do estabelecimento, a acusação ficou exclusivamente dependente das impressões digitais. Recorrendo a ampliações fotográficas, o perito demonstrou onze pontos de coincidência entre a impressão digital de Alfred e o vestígio digital recolhido na gaveta da caixa do dinheiro que se encontrava no chão do quarto de Thomas e Ann Farrow. Os membros do júri ficaram impressionados, tendo feito inúmeras perguntas ao perito, nomeadamente para esclarecer como as impressões digitais eram obtidas, tendo inclusivamente pedido que fossem recolhidas as impressões digitais a um dos elementos do júri.
Naturalmente, a defesa procurou atestar que as impressões digitais não eram um meio infalível de identificação humana, tendo recorrido a um especialista de medicina, simpatizante da Bertillonagem, o qual afirmou peremptoriamente não haver coincidência entre as impressões digitais.
Perante tal depoimento, a acusação mostrou ao tribunal, duas cartas escritas pelo médico, datadas do mesmo dia, ambas a oferecer os seus serviços, uma dirigida à acusação e a outra remetida aos defensores dos irmãos Stratton. Este procedimento foi duramente criticado pelo juiz, que, no entanto, sublinhou aos membros do júri que, tendo que admitir haver uma extraordinária semelhança, a análise da prova das impressões digitais deveria ser extremamente cuidadosa.
Desconhece-se qual o peso que esta recomendação teve na decisão do júri, mas os irmãos Stratton foram ambos condenados pelos homicídios. Foram enforcados em Maio de 1905.
Curiosamente, os irmãos Stratton foram enforcados por William and John Billington, irmãos, situação insólita em que dois irmãos mataram legalmente dois irmãos.
Quanto ao médico, além de ter destruído a sua carreira, a sua actuação teve outra consequência. Desde essa altura, os profissionais médicos só esporadicamente se envolveram na discussão e debate judicial da prova lofoscópica, que se tornou, e ainda hoje se verifica, no âmbito da actividade profissional de pessoal especializado das organizações policiais e forenses.