Em 11 de Junho de 1902, uma mulher dá entrada na cadeia da Relação da cidade do Porto.
Tem 25 anos, é solteira e sabe que no dia seguinte não vai estar na praça a vender legumes e frutas porque foi apanhada a roubar.
Permanece sentada enquanto espera que a conduzam à cela onde vai passar a noite.
O guarda vem buscá-la, mas não a leva para junto de outros presos, antes a conduz no sentido oposto, abrindo a porta de um gabinete.
Lá dentro estão dois homens.
Pelo aspecto e pelo vestuário, é fácil perceber que não são guardas nem polícias.
A mulher olha em volta horrorizada.
As janelas, a todo o comprimento da parede, são atravessadas por uma luminosidade intensa que contrasta com o resto da prisão.
O mobiliário da sala é constituído por aparelhos e instrumentos que nunca tinha visto:
· uma espécie de tenaz formada por duas varetas de ferro em forma de semicírculo;
· uma balança quase do tamanho de um homem;
· um espaldar térreo com uma haste comprida cravada na extremidade anterior, onde se vê uma sucessão de números e pela qual desliza uma peça de madeira e ferro;
· um sem-número de outros objectos desproporcionados e esquisitos.
Um dos homens faz-lhe perguntas e preenche um formulário de papel.
De seguida, o outro levanta- a e leva-a para junto de uma das paredes.
Vai ditando coisas, enquanto a passa pelos aparelhos:
· estatura: 1,585 metros;
· comprimento dos braços abertos em cruz: 1,530 metros;
· altura sentada ou busto: 0,818 metros;
· comprimento da orelha direita: 0,059 metros;
· dedo médio esquerdo: 0,103 metros;
· dedo mínimo esquerdo: 0,082 metros;
· antebraço esquerdo: 0,411 metros;
· comprimento do pé esquerdo: 0,229 metros.
Depois fazem-lhe ainda três medições diferentes da cabeça e anotam a cor da pele e dos olhos.
No final, os homens parecem satisfeitos e a mulher está menos receosa, embora se sinta confusa e diminuída.
Todos os presos que dão entrada nas cadeias de Lisboa e do Porto, no princípio do século XX, passam por esta nova experiência.
Algumas partes dos seus corpos são medidas com precisão milimétrica e os seus caracteres físicos anotados com rigor científico, submetendo-se “a um exame que, por sua natureza, parece ser ou faz bem de pena infamante e certamente mais repugnante que a própria condenação”
A Estatística do corpo: Antropologia física e Antropometria na alvorada do século XX, Nuno Luís Madureira, in Etnográfica, Vol. VII (2), pp. 283-303.