Enquanto a sala de jantar ardia, os soldados andaram a recolher as impressões digitais
e a digitalizar os olhos dos cadáveres de combatentes talibãs.
O ritual macabro ocorreu em
21 de junho num restaurante em Cabul depois de um ataque.
Após a digitalização, a informação foi comparada com um banco de dados biométricos.
A recolha desses dados biométricos, incluindo dos
mortos é agora uma prática comum na guerra do Afeganistão.
Os Soldados aprendem que, dependendo do calor, as digitalizações
dos olhos podem ser utilizáveis seforem obtidas até seis horas após a morte.
Os investigadores estavam confiantes de encontrar uma
correspondência, e assim aconteceu.
O sucesso sublinha o crescimento da base de dados.
Neste caso, o suicida-bombista tinha sido digitalizado
dois anos antes, na província de Logar, disse o tenente-coronel Mohammad Anwar Muniri,
que lidera o programa afegão.
No entanto, ele não foi detido.
A lista de "mártires", divulgado pelos Taliban
após o ataque em Cabul confirmou que ele era daquela província.
Os seus dados poderiam igualmente ter entrado no banco
de dados de várias formas.
Poucas dos 30 milhões de pessoas do Afeganistão tem certidão de nascimento, um
segundo nome, ou consegue ler.
No entanto, o exército dos Estados Unidos e o governo afegão recolheram registos digitais
de mais de 2,5 milhões deles.
Qualquer um que seja detido ou preso, ou que procura prestar
serviço militar ou policial, é submetido a recolha de dados biométricos.
Assim são aqueles que, como trabalhadores, tentam entrar
em qualquer base militar da coligação.
Cada um deles é verificado em relação a uma lista de
monitorização de suspeitos.
No ano passado, foram colocados equipamentos
biométricos em todas as passagens fronteiriças.
Em zonas de maior contestação, qualquer individuo
entre os 15 e os 70 anos de idade podem ser compulsivamente registados e verificados.
Algumas patrulhas alinham todos os homens de uma
aldeia e procedem à sua verificação biométrica.
Por vezes os transportes públicos são mandados parar e
todos os passageiros são verificados.
Em qualquer outro lugar tais intrusões causariam
contestação.
Mas até agora poucos afegãos têm protestado.
Fontes oficiais americanas elogiam a tecnologia como
uma ferramenta útil contra a insurreição: se os adversários podem ser
identificados, eles podem ser separados do resto da população cumpridora da lei.
Eles citam exemplos de sua utilidade.
No ano passado, cerca de 500 prisioneiros talibãs fugiram
de uma prisão, mas eles já haviam todos sido registados.
No espaço de um mês 30 já tinham sido recapturados por
causa das verificações biométricas aleatórias
Para além do Afeganistão, os dados
biométricos são transmitidos, para o exército dos Estados Unidos, o FBI e o Departamento de Segurança Interna.
Acordos para partilha de dados existem com dezenas de países
aliados.
Soldados americanos em Ghazni referem um caso em que
efectuaram a digitalização de um rebelde morto, e dois dias depois, receberam
uma comunicação da CIA a informar que aquele registo correspondia a alguém que anteriormente
tinha sido registado no Iraque.
No entanto, à medida que o sistema cresce, o mesmo
acontece com as preocupações sobre isso.
É involuntário e envolto em segredo.
É fácil encontrar afegãos que afirmam que empregos ou
vistos lhes foram indevidamente negados após uma verificação biométrica
assinala a sua presença em listas de vigiados.
As provas existentes contra eles raramente são
divulgadas e não é claro como as poderão contestar.
"Há um processo de análise para alguém ser
colocado numa lista", diz o sargento-major Robert Haemmerle, do programa de
biometria do exército americano no Afeganistão.
"Não é apenas
uma questão de 'eu não gosto dessa pessoa. Há uma política deliberada e um processo
para assegurar que os direitos das pessoas são respeitados, que não existem
abusos. "
No entanto, essas políticas e processos são mantidos classificados
pela NATO e pelo Departamento de Defesa.
Jennifer Lynch, uma advogada da Electronic Frontier Foundation,
um grupo sediado em San Francisco que mantém uma vigilância sobre como a tecnologia
digital invade as liberdades civis, também questiona a qualidade dos dados.
Ela teme que as varreduras feitas de forma rápida no terreno,
ou por técnicos inexperientes, possam levar a casos de identidade equivocada.
Nem as autoridades afegãs nem americanas têm descrito os
seus planos finais para o projeto, nem se querem registar toda a população.
A discussão de um novo cartão de identidade nacional caiu
no silêncio.
Mas quanto mais são as pessoas que estão registadas, mais
poderosa se torna a base de dados.