Um
dos quadros mais famosos do mundo foi levado do Louvre em 1911 e ninguém deu
por falta dele durante 30h
Em Paris multiplicavam-se as teorias sobre o
desaparecimento do quadro.
Para uns, a Mona Lisa tinha simplesmente sido
destruída por um louco.
Para outros, o roubo fazia parte de uma
misteriosa conspiração anarquista para fazer cair o governo.
Havia também quem garantisse que o autor do crime
teria sido um pobre homem que fora enfeitiçado pelo sorriso da mulher desenhada
por Leonardo da Vinci.
Uns diziam que o único propósito do acontecimento
tinha sido pôr a nu as graves e inaceitáveis falhas de segurança no Museu do
Louvre.
Outros asseguravam que o quadro já estava a caminho
da América do Sul.
Ou que tinha sido avistado na Polónia. E na
Alemanha. E nos Estados Unidos.
A sociedade francesa – atiçada pela imprensa da
época – estava atónita com o desaparecimento da Mona Lisa.
Mas a verdade é que durante 30 horas ninguém deu pela
falta do quadro no museu.
No dia do
roubo, 21 de Agosto de 1911, o Louvre esteve fechado, como todas as
segundas-feiras.
E era costume que as obras expostas fossem
emprestadas aos fotógrafos da casa.
Por isso, no dia seguinte, quando alguém se apercebeu
que a Mona Lisa não estava pendurada na parede, concluiu-se que algum deles se
esquecera de a devolver a horas.
O desaparecimento só foi levado a sério graças à
insistência de um artista parisiense – que não parava de perguntar quando é que
o quadro voltaria a ser reposto.
Afinal ninguém sabia onde estava a Mona Lisa.
Às segundas-feiras costumava haver apenas um
guarda de serviço no Salon Carré, onde a obra estava exposta.
E, como se já não bastasse, o segurança ainda
tinha de tomar conta, ao mesmo tempo, da enorme sala adjacente, a Galerie
d’Apollon.
Para choque da sociedade francesa, descobriu-se
que não havia, no Louvre, um sistema de registo de entradas nos dias de folga.
E os quadros não estavam seguros à parede com
cadeados porque a administração do museu entendia que deveria ser fácil
retirá-los caso houvesse um incêndio.
A imprensa e a população mostravam-se
horrorizadas com as falhas de segurança e o director do Louvre, Homolle, acabou
demitido.
Com ele, foi despedido o chefe da segurança.
O primeiro jornal a dar conta do desaparecimento
foi o “Le Temps”, logo na terça-feira à tarde.
Nos dias seguintes, o “Le Matin” oferecia 5000
francos a qualquer vidente que ajudasse a descobrir o paradeiro do quadro.
O “L’Illustration” prometia 10 mil por uma
simples informação e subia a parada para os 40 mil para quem devolvesse a Mona
Lisa inteira, garantindo anonimato ao ladrão.
A
reconstituição do crime
Enquanto isso, a polícia procurava seguir todas
as pistas.
O caso foi entregue ao prefeito da polícia de
Paris, Lepine – um homem nada discreto, carismático e conhecido por nunca
abdicar de um antiquado chapéu de coco branco.
O inspector estava convencido de que conseguiria
resolver o mistério num ápice.
Afinal de contas, ninguém no seu perfeito juízo
roubaria a Mona Lisa e o ladrão acabaria por tentar vender o quadro.
Mas a confiança inicial rapidamente esmoreceu:
todas as buscas se mostravam infrutíferas.
A 26 de Agosto, sábado, o juiz encarregado do
caso, Henri Drioux, publicava o primeiro relatório da investigação.
Com a ajuda de duas testemunhas, a polícia tinha
conseguido reconstituir o crime com alguma exactidão.
A primeira era um canalizador, que relatou como
na segunda-feira, durante uma ronda de inspecção, tinha dado de caras com um
homem jovem, com cerca de 1,75m de altura, bigode aparado à moda da altura e
que envergava um blusão branco e comprido, igual ao de todos os operários do
Louvre.
O homem estava sentado numas escadas ao lado de
uma pequena porta que dava acesso a um pátio interior e pediu ao canalizador o
favor de a abrir.
Estava trancada e, estranhamente, faltava-lhe a
maçaneta.
A segunda testemunha era um homem chamado
Bouquet, empregado na secção de embalagens de um armazém e que relatou ter
visto um homem com ar apressado a atirar qualquer coisa fora no exterior do
museu.
A polícia veio a encontrar, nesse local, a
maçaneta da porta.
Bouquet
acrescentou que o indivíduo parecia dirigir-se para a estação de comboios
Apesar de as indicações parecerem vagas, havia
uma outra pista que prometia dar frutos.
Bertillon – o inventor do sistema de impressões
digitais – analisou minuciosamente todas as impressões encontradas na moldura
da Mona Lisa, deixada para trás pelo ladrão, e comparou-as com as dos
funcionários do Louvre.
Sobraram apenas duas marcas, que não
correspondiam a ninguém do museu.
E uma delas, de um polegar de uma mão direita,
era perfeita.
Passaram-se dez dias e a polícia continuava
empenhada em resolver o crime.
Além de terem passado a pente fino as impressões
digitais dos funcionários, os investigadores fizeram um levantamento de 257
nomes de antigos trabalhadores do museu.
Entre eles, figurava o de um italiano: Vicenzo
Perruggia.
A polícia interrogou-o, esteve no apartamento
onde vivia, mas a franqueza, a simpatia e a disponibilidade que demonstrou
levaram os polícias a não o considerarem suspeito.
Aliás, nem lhe foram pedidas impressões digitais
para comparar com as da moldura.
O
roubo
Mas a verdade é que no dia 21 de Agosto de 1911
Perruggia tinha mesmo estado no museu.
O Louvre estava fechado e a entrada só era
permitida a funcionários: guardas, fotógrafos, artistas e operários
encarregados da manutenção.
Perruggia juntou-se a um grupo de operários no
exterior do edifício – ainda conhecia alguns do tempo em que lá trabalhara como
vidraceiro.
Já dentro do museu, afastou-se sem levantar
suspeitas e, às 7h20 da manhã, estava frente a frente com o sorriso da Mona
Lisa.
Tirou o quadro da parede e atravessou o pequeno
salão a correr.
Pelo caminho, retirou a tela da moldura e
embrulhou--a num pano velho.
Depois, tentou sair por uma pequena porta – que
não contava que estivesse fechada à chave.
Perruggia desaparafusou a fechadura, retirou os
parafusos e tirou a maçaneta.
Foi nesse momento que ouviu passos, enfiou a
maçaneta no bolso e sentou-se nas escadas.
Apareceu o canalizador que, ingenuamente, lhe
abriu a porta. Perruggia saiu triunfante e calmo do museu.
Com a tela debaixo do braço.
A
resolução do crime
Passaram dois anos sem que o caso fosse resolvido
e o interesse do público pela Mona Lisa caiu a pique.
Entretanto, o Titanic afundou--se na sua
viagem inaugural.
A Itália e a Turquia entraram em guerra.
A Europa preparava-se para enfrentar o seu
primeiro conflito mundial.
E Perruggia convivia com o quadro, pintado quatro
séculos antes, no miserável apartamento que tinha arrendado em Paris.
Mais tarde confessou em tribunal que se apaixonou
pelo sorriso da Mona Lisa.
“Fui
enfeitiçado por ele e todas as tardes me deliciava a olhar para ela,
descobrindo mais e mais beleza e perversidade. Apaixonei--me por ela”,
contou.
No julgamento, um psiquiatra chegou a alegar que
o italiano era mentalmente desequilibrado e, por isso, inimputável.
Mas quando foi apanhado, Perruggia garantiu que
roubara o quadro movido por razões sérias.
Em Novembro de 1913, o ladrão escreveu a um
negociante de arte italiano, Alfredo Geri.
Na carta – que assinou com o pseudónimo
“Leonardo” –, Perruggia contava que tinha em sua posse o quadro de Da Vinci e
que pretendia restituí--lo a Itália, de onde nunca deveria ter saído.
Embora não pedisse dinheiro, o italiano insinuava
que era um homem pobre.
Assim que recebeu a missiva, Geri saiu a correr
ao encontro de Giovanni Poggi, o director da Galeria Uffizi.
Combinaram um encontro com Perruggia para o dia
10 de Dezembro, em Florença, num pequeno quarto do terceiro andar do Hotel
Trípoli-Itália.
E avisaram a polícia.
Perruggia foi preso e confirmou-se que a tela era
a original.
Nos dias seguintes, generalizou-se em Florença a
convicção de que a Mona Lisa deveria permanecer na cidade e que Perruggia tinha
razão: a obra de Da Vinci nunca deveria ter saído de Itália.
Era preciso que o país se vingasse de Napoleão –
que, no século anterior, teria confiscado a obra.
Mas a verdade é que foi o próprio Leonardo Da
Vinci quem vendeu a Mona Lisa a Francisco I, rei de França, no início do século
XVI.
Face às evidências históricas, o quadro foi
devolvido a França, apesar de autorizadas várias exposições em Itália.
A Mona Lisa foi exposta na Galeria Uffizi e só no
primeiro dia compareceram à chamada mais de 30 mil pessoas.
Para
comemorar o aparecimento do quadro, o Papa Pio X celebrou, no Vaticano, uma
missa de acção de graças.
Na Câmara
dos Deputados de Itália, a notícia evitou uma cena de pugilato entre alguns dos
membros.
Em frente ao Louvre juntou--se uma multidão e o
embaixador de França agradeceu pessoalmente ao primeiro-ministro italiano.
O Hotel Trípoli-Itália mudou de nome para “La
Gioconda”.
Em 1911
ainda não se sabia se a Itália se iria aliar à Alemanha e à Áustria ou à
Inglaterra e à França na guerra que estava prestes a eclodir e, para alguns
historiadores, o incidente com o quadro de Leonardo da Vinci terá mesmo
contribuído para um estreitamento das relações diplomáticas de Itália, que
acabou a lutar ao lado da França e de Inglaterra.
O
julgamento
Perruggia ficou preso até ser levado a tribunal
em Junho de 1914.
Frente ao juiz, referiu-se à glória de Itália e
ao roubo praticado por Napoleão.
Estava convicto de que acabaria por ser aclamado
como herói nacional.
Mas os promotores públicos descobriram na casa do
italiano uma lista de negociantes de arte escrita à mão.
Afinal, Perruggia talvez tivesse sido movido por
outras questões que não o patriotismo, argumentava o tribunal.
O ladrão da Mona Lisa foi condenado a um ano e 15
dias de prisão, mas conseguiu ver a pena reduzida – através de um recurso –
para apenas sete meses.
Depois de
sair da cadeia, Perruggia voltou à aldeia natal, em Dumenza, no Norte de
Itália, e alistou-se no exército.
Casou com uma prima, com quem abriu uma loja de
tintas em Paris.
Ainda hoje há quem acredite que a Mona Lisa que
está no Louvre não passa de uma falsificação e que o original está algures no
Norte de Itália, escondido debaixo de uma mesa.
Daqui.