Há algum tempo fui contactado por um advogado cujo cliente era um imigrante que enfrentava a pena de deportação. Os serviços de Imigração dos Estados Unidos, com fundamento numa pesquisa efectuada no AFIS (Automated Fingerprint Identification System) apuraram que o individuo já havia sido deportado anteriormente mas com nome diferente.
Foi-me solicitado que confirmasse que as impressões digitais se identificavam com as impressões digitais do seu cliente. Perguntei ao advogado o nome e o contacto do Perito de Lofoscopia que tinha efectuado a identificação.
Foi com surpresa que percebi que os resultados do AFIS não tinham sido confirmados por nenhum Perito e que o Tribunal se preparava para promover a deportação do individuo baseado no resultado da pesquisa do AFIS.
Elaborei um memorando para o advogado, onde explicava como o AFIS trabalhava e o conjunto de procedimentos que são seguidos quando ocorre um HIT do sistema: um Perito compara as impressões digitais seleccionadas pelo computador de forma a garantir que aquela é de facto uma identificação.
O advogado solicitou ao Tribunal que, suspendesse o processo de deportação, até que as impressões digitais fossem analisadas por um Perito de Lofoscopia. A moção foi rejeitada e o Tribunal insistiu que os resultados do AFIS eram suficientes para dar continuidade à deportação.
Noutro caso, fui recentemente consultado em dois casos de contornos idênticos. Em cada um dos casos, os vestígios recolhidos em local de crime foram remetidos a pesquisas no AFIS. O serviço AFIS emitiu Relatórios em que afirmam que as pesquisas efectuadas tinham resultado em identificações positivas. No Relatório foi incluído qual o dedo que tinha sido identificado e a codificação correspondente ao indivíduo identificado.
Estes Relatórios foram utilizados como prova de autoria material dos crimes em investigação e, em ambos os casos, os indivíduos foram acusados.
Também nestes dois casos, solicitei cópias dos Relatórios efectuados pelos Peritos de Lofoscopia para me documentar sobre os casos e avaliar quais as questões pertinentes que poderia equacionar.
Fui informado que nos processos não constavam quaisquer Relatórios e que as acusações tinham sido formuladas sem ter havido qualquer verificação dos resultados das pesquisas do AFIS. Da mesma forma nenhum Perito foi chamado a depor em julgamento.
Estes dois casos estão em julgamento e até agora nenhum Perito de Lofoscopia se pronunciou sobre a identificação positiva dos vestígios recolhidos naqueles dois locais de crime.
Está a tornar-se comum, que os casos em que ocorrem identificações no AFIS, encontrar apenas o print-screen da identificação, sem qualquer Relatório de Peritos especializados a confirmar a identificação.
Regra geral, não consta qualquer informação se o HIT do AFIS ocorreu com 1ª candidato ou com o 20º candidato.
O que é extraordinário é que em casos recentes, o serviço AFIS emitiu o Relatório e acrescentou a seguinte declaração:
Este expediente contém a potencial identificação de suspeito. O estabelecimento de Identificação positiva para acusação é da competência da entidade titular dos vestígios.
Este parecer tem sido frequentemente ignorado pelas autoridades e delegações locais.
No sistema de justiça, muitos casos não são submetidos a contraditório em julgamento. São obtidos acordos entre as partes. O acusado confessa a autoria material do crime e colabora com a justiça. Seria interessante conhecer quantos casos existem em que a identificação do AFIS é inserida no processo sem verificação de qualquer Perito de Lofoscopia.
Entre 2008 e 2010, o National Institute of Standards and Technology (NIST), patrocinou o Expert Working Group on Human Factors in Latent Print Analysis.
Este grupo de Peritos, baseado na metodologia de identificação lofoscópica (Análise, Comparação, Avaliação + Verificação) estabeleceu, na íntegra, o fluxo de trabalho das perícias dos vestígios lofoscópicos.
Este diagrama foi adoptado pelo Scientific Working Group on Friction Ridge Analysis, Study and Technology (SWGFAST), integrando o “Standards for Examining Friction Ridge Impressions and Resulting Conclusions”. (Ver abaixo).
O diagrama estabelece, de forma muito clara, qual o caminho a seguir quando é obtida uma identificação no AFIS.
O AFIS é parte integrante da fase de análise da metodologia de identificação, sendo irrelevante nas fases de comparação, avaliação e verificação.
Os Hits do AFIS requerem uma análise completa por um Perito qualificado.
No site do SWGFAST, entre outras, foram incluídas as seguintes questões:
14. O AFIS efectua identificações de vestígios?
14. Não. O AFIS é um sistema computorizado de pesquisa mas não decide quanto à individualização dos vestígios.
14.1.1 O AFIS fornece uma listagem organizada do mais provável para o menos provável de candidatos fundada na introdução de parâmetros de pesquisa.
14.1.2. A decisão de individualização ou de exclusão dos candidatos é tomada por um Perito qualificado.
14.1.3. A prática de confiar na tecnologia AFIS, actualmente disponível, para a individualização dos vestígios lofoscópicos não é segura.
A sociedade actual e os seus governantes abraçaram diversos modelos de inovação tecnológica em função da sua eficiência e economia.
Nas áreas do combate ao crime e de segurança pública, estes avanços tecnológicos incluíram o AFIS, o Combined DNA Index System (CODIS), câmaras de videovigilância e dispositivos de rastreio de pessoas e bens nos aeroportos.
Mas estes avanços tecnológicos e os efeitos que produzem trazem consigo compromissos relacionados com a garantia da privacidade das pessoas e o seu direito à segurança individual, nas casas, ou bens.
Os Hits do AFIS devem ser analisados por Peritos de Lofoscopia e os resultados obtidos dessa análise devem ser verificados e confirmados antes de iniciar qualquer procedimento contra os potenciais suspeitos.
Qualquer outro procedimento é eticamente reprovável, demonstra pouco profissionalismo e carece de sustentação técnico-científica.