Honório Palha de Godoy, 68, o Dr Palhinha de Taubaté, é sem dúvida o maior detetive que o mundo já conheceu.
Mas seus métodos são polêmicos e, dizem os detetives estrangeiros, “pré-científicos”; ao que o Dr Palhinha nada responde senão cuspir tabaco no chão da pracinha.
É um homem bronco, fortão, facilmente avermelhável, que passa o dia no banco da praça Calixto Bolinha com seus amigos taxistas e a tia do bócio, a arejar as unhas encravadas sob a sombra dum imenso jequitibá branco.
Até aquele canto sombreado de praça vêm potentados do mundo inteiro procurar os conselhos do Dr Palhinha: o sr Jimmy Carter (recebido pela tia do bócio nos termos “ô seu Jimmy, senta aí”), o físico aquele da cadeira, todo torto coitado, tenistas russas, marajás com turbantes altíssimos que esbarram nos galhos das duas figueiras da praça, chefes de tribos do Pacífico, banqueiros suíços, guerrilheiros latinos, sheiks a brilhar de ouro.
Pela praça todos eles avançam um tanto hesitantes, porque sabem que o Dr Palhinha pode fazer um comentário sobre suas raças esquisitas.
Mas sentam no banco ao lado do detetive e o Dr Palhinha os ouve até o fim, em meio ao silêncio respeitoso dos seus amigos taxistas.
-Viu, o caso aí que o senhor falou, vou ter que ir lá dar uma olhada – o Dr Palhinha acaba dizendo.
E lá vai o Dr Palhinha.
Quanto ao famoso método dedutivo do Dr Palhinha, e sua sabedoria ancestral, pré-iluminista, mas estranhamente eficiente, basta que conte um episódio curto.
O MASSACRE DE CONVINGTON
Na cidade de Convington, Maschassusets (letras trocadas para proteger a identidade do estado), uma jovem enxadrista russa a Srta Ludmila Pogonina foi encontrada morta no seu quarto durante a festa de Natal de 2006.
Ela havia sido apunhalada no coração com um bispo branco de madeira, que estava sumido da caixa onde as peças eram guardadas.
A porta estava trancada por dentro, mas a janela do quarto estava aberta e havia marcas de pés e de dedos em toda a beirada da janela.
O assassino havia pulado no roseiral lá em baixo, deixando rastros que voltavam para a casa, o que indicava que o assassino era um dos muitos hóspedes.
A polícia americana discutiu muito sobre o motivo do crime, porque entre os hóspedes estavam dois herdeiros da enxadrista riquíssima, uma enxadrista rival, e um cara que não gostava de xadrez (achava meio chato).
O caso se arrastou por uma semana. Nem a polícia americana chegava a uma conclusão, nem os hóspedes podiam ir embora da casa.
Nisso, chamaram o Dr Palhinha.
O Dr Palhinha nem quis ler o testamento complexo da enxadrista no avião. Só tirou um cochilo, ficou na dele.
O xerife Sam Triscoe escoltou o Dr Palhinha até o centro do quarto, onde um contorno de giz ainda marcava as curvas voluptuosas da enxadrista morta.
O Dr Palhinha ficou de cócoras no chão examinando o carpete, enquanto Sam “Thunderbolt” Triscoe esperava em silêncio respeitoso.
O Dr Palhinha deu uma risadinha mas não disse nada.
Daí o detetive foi para a janela, examinou a beirada, e riu de novo.
-Ó isso aqui – o Dr Palhinha disse, apontando para as marcas de pés e dedos na janela. E a seguir disse: – Isso aqui é serviço de preto.
Com alguma hesitação, o intérprete traduziu as palavras do Dr Palhinha.
Em meio ao silêncio chocado dos suspeitos que aguardavam em volta, o xerife ia expressar a sua consternação com o racismo gratuito do investigador brasileiro quando um dos suspeitos, o sr. Thomas Sowell, um senhor negro muito respeitado que aliás é o maior economista vivo, ficou pálido e, com as ventas se alargando de pânico, deu um grito e se atirou pela janela, caindo no roseiral.
-Get him, boys! – gritou Sam Triscoe, dando início a uma perseguição que durou dois dias, até que Thomas Sowell, faminto e com as roupas todas rasgadas, fosse apanhado num pântano a seis quilômetros dali, e se verificasse que de fato estava com um bispo branco manchado de sangue no bolso.
Mas quem diz que os estrangeiros aceitam nossas técnicas tradicionais de investigação?
Mal o xerife havia saído correndo em perseguição ao economista de 81 anos, a srta Lucille Boyard, que mais tarde viraria presidente do movimento FREE THOMAS SOWELL, disse o que todos estavam pensando:
-Mas isso não quer dizer nada… O senhor acertou por pura sorte.
Ao que o célebre taubateense, que não gosta de “dar trela pra mulher respondona”, só respondeu:
-Então tá bão.