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domingo, 1 de abril de 2012

Monólogo das Mãos


As mãos de Maria Anto­ni­eta, ao rece­ber o beijo de Mira­beau, sal­vou o trono da França e apa­gou a auréola do famoso revo­lu­ci­o­ná­rio;
 
Múcio Cévola quei­mou a mão que, por engano não matou Por­cena;
 
Foi com as mãos que Jesus ampa­rou Mada­lena;
 
Com as mãos David agi­tou a funda que matou Golias;
 
As mãos dos Césa­res roma­nos deci­dia a sorte dos gla­di­a­do­res ven­ci­dos na arena;
 
Pila­tos lavou as mãos para lim­par a cons­ci­ên­cia;
 
Os anti-semitas mar­ca­vam a porta dos judeus com as mãos ver­me­lhas como signo de morte!
 
Foi com as mãos que Judas pôs ao pes­coço o laço que os outros Judas não encon­tram.
 
A mão serve para o herói empu­nhar a espada e o car­rasco, a corda;
 
O ope­rá­rio cons­truir e o bur­guês des­truir;
 
O bom ampa­rar e o justo punir;
 
O amante aca­ri­ciar e o ladrão rou­bar;
 
O honesto tra­ba­lhar e o vici­ado jogar.
 
Com as mãos atira-se um beijo ou uma pedra, uma flor ou uma gra­nada, uma esmola ou uma bomba!
 
Com as mãos o agri­cul­tor semeia e o anar­quista incen­deia!
 
As mãos fazem os salva-vidas e os canhões;
 
Os remé­dios e os vene­nos;
 
Os bál­sa­mos e os ins­tru­men­tos de tor­tura, a arma que fere e o bis­turi que salva.
 
Com as mãos tapa­mos os olhos para não ver, e com elas pro­te­ge­mos a vista para ver melhor.
 
Os olhos dos cegos são as mãos.

As mãos na agu­lheta do sub­ma­rino levam o homem para o fundo como os pei­xes;
 
No volante da aero­nave atiram-nos para as altu­ras como os pás­sa­ros.
 
O autor do «Homo Rebus» lem­bra que a mão foi o pri­meiro prato para o ali­mento e o pri­meiro copo para a bebida;
 
A pri­meira almo­fada para repou­sar a cabeça, a pri­meira arma e a pri­meira lin­gua­gem.
 
Esfre­gando dois ramos, conseguiram-se as cha­mas.
 
A mão aberta, aca­ri­ci­ando, mos­tra a bon­dade;
 
Fechada e levan­tada mos­tra a força e o poder;
 
Empu­nha a espada a pena e a cruz!

Modela os már­mo­res e os bron­zes;
 
Dá cor às telas e con­cre­tiza os sonhos do pen­sa­mento e da fan­ta­sia nas for­mas eter­nas da beleza.
 
Humilde e pode­rosa no tra­ba­lho, cria a riqueza;
 
Doce e pie­dosa nos afe­tos medica as cha­gas, con­forta os afli­tos e pro­tege os fra­cos.
 
O aperto de duas mãos pode ser a mais sin­cera con­fis­são de amor, o melhor pacto de ami­zade ou um jura­mento de feli­ci­dade.
 
O noivo para casar-se pede a mão de sua amada;
 
Jesus aben­ço­ava com as mãos;
 
As mães pro­te­gem os filhos cobrindo-lhes com as mãos as cabe­ças ino­cen­tes.
 
Nas des­pe­di­das, a gente parte, mas a mão fica, ainda por muito tempo agi­tando o lenço no ar.
 
Com as mãos lim­pa­mos as nos­sas lágri­mas e as lágri­mas alheias.
 
E nos dois extre­mos da vida, quando abri­mos os olhos para o mundo e quando os fecha­mos para sem­pre ainda as mãos pre­va­le­cem.
 
Quando nas­ce­mos, para nos levar a carí­cia do pri­meiro beijo, são as mãos mater­nas que nos segu­ram o corpo peque­nino.
 
E no fim da vida, quando os olhos fecham e o cora­ção pára, o corpo gela e os sen­ti­dos desa­pa­re­cem, são as mãos, ainda bran­cas de cera que con­ti­nuam na morte as fun­ções da vida.