I
Tornou-se
escuro o céu, sol não se via;
Medonha
tempestade se formava;
O solo, se
gretando, estremecia
E n'um abysmo
grande se tornava!
Lisboa nunca
viu tão triste dia;
Perdida toda a
gente se julgava;
As casas,
sacudidas, oscilavam
E pelo gran'
tremor se esmoronavam!
II
O cataclismo
nada respeitava;
Palacios,
templos, casas destruia,
E nos tristes
destroços abysmava
Os miseros que
n'elles envolvia.
Uma desgraça
tal ninguem poupava
Á grande
mortandade, que fazia:
E sob as
cantarias deslocadas
As gentes
expiravam sepultadas.
III
Em mui breves
momentos... a cidade
O mais lugubre
quadro apresentava.
Os habitantes,
cheios d'anciedade
Que tamanho
terror lhes inspirava
E de Deus
supplicando, em vão, piedade,
Fugiam para a
rua, onde reinava
Na triste,
apavorada multidão
A mais
indiscriptivel confusão.
IV
Abandonando as
casas procuravam
Immersos não
ficarem nas ruinas:
Mas, aquelles
que d'ellas escapavam,
Sob o ferro
das gentes assassinas,
Que d'essa
confusão se aproveitavam,
Nas ruas
saqueando--almas ferinas!--,
Succumbiram;--que
o ferro lhes tirava
Vida, que o
terremoto respeitava.
V
E, qual mimosa
flor desabrochada
Que cuidadoso
trata o jardineiro
Por aspero
tufão sendo açoutada
Barbaramente,
perde a côr e o cheiro,
E sobre a
tenra haste já quebrada
Vai
definhando, e morre no canteiro;
Assim as
creancinhas, que perdidas
Das mães
estavam, eram consumidas.
VI
E, como se uma
tal desolação
A flagello das
gentes não bastasse,
Bandidos houve
que com impia mão
E para que o
terror se accrescentasse
N'esta já
desditosa occasião,
Um incendio
atearam que queimasse,
Nas devorantes
chammas que nutriam,
As casas que
aos abalos resistiam.
VII
Que perversos
instinctos, vis, horriveis
Alimentavam
peitos tão malvados!...
Esses torpes
facinoras, temiveis,
Dos negros
calabouços escapados;
Do infortunio
ás vozes insensiveis,
Sem dó nem
compaixão dos desgraçados,
Que attonitos
nas ruas encontravam,
Os mais
horrendos crimes practicavam.
VIII
Esses
profugos, todos criminosos
E talvez nas
masmorras pervertidos;
Homicidas,
ladrões industriosos
Que não estão
do vicio inda esquecidos;
D'entre ferros
sahindo furiosos,
Por toda a
parte correm atrevidos,
O terror
augmentando na cidade
Que entregue
fica á sua impiedade.
IX
Dos destroços
que as ruas impediam,
E centos de
cadaveres juncavam,
Dilacerantes
gritos se partiam
Dos feridos
que n'elles se encontravam,
E lugubres gemidos
se sentiam
Dos que em
terriveis ancias expiravam!
Outros emfim,
correndo desesp'rados,
Ao Tejo se
lançavam. Malfadados!...
X
Mas de repente
um vulto grandioso,
De excessivo
talento e arrojado,
Da patria pelo
amor tão orgulhoso,
Por tantas
vezes já por si mostrado;
Tantas
victimas vendo, pressuroso
Tratou de
castigar tanto malvado,
E com duras
medidas que adoptou
O negro
vandalismo terminou;
XI
E, com essa
energia portentosa
De que dotado
foi tão largamente,
O estadista de
fama gloriosa
Que á patria
lembrará eternamente,
A do Tejo
rainha tão formosa
Reedificar
consegue brevemente.
--E qual flor
escapada ao vendaval
Altiva se
ergue a linda capital!
XII
Salve,
Marquez, a quem Pombal foi berço,
Mais tarde
exilio, tumulo na morte!
Do sepulchro
em que ha tanto estás immerso
Julgo ver-te
surgir altivo e forte:
E, Portugal
mostrando ao universo,
Dizeres:--«Eil-a!
A patria... foi meu norte;
Hoje, reliquia
de passadas glorias,
Como outr'ora
não conta já victorias!»
XIII
Após cem annos
de teu somno infindo
Esquecido não
é teu genio ingente.
Da historia
nossa as paginas abrindo,
Aonde a gloria
tua é tão patente,
Haverá
portuguez que, amor sentindo
P'la patria
cara, outr'ora tão fulgente,
Penhorado não
lembre o que fizeste
A Portugal que
tanto enobreceste?!
XIV
O que importa
o dormir da sepultura
Após a vida á
patria dedicada,
Se do tempo ou
da morte a lima dura
Gastar não
póde a gloria conquistada,
Que pela mesma
morte já está pura
Se no exilio
não foi purificada?!
Festejai
portuguezes esse vulto
A quem devemos
todos prestar culto!
XV
Eis que chega
o momento em que a nação
Outr'ora tanto
d'outras invejada,
E que esquecer
não sabe a gratidão
Áquelle por
quem foi tão levantada,
Tributa
cordeal veneração,
De nobres
sentimentos animada,
Ao estadista
que a nenhum respeito
O
proprio reino qu'ria ver sujeito.
XVI
Exultemos de
ver agradecida
A patria, n'um
festejo nacional,
Da sua
elevação não esquecida,
Que deve ao
nobre filho de Pombal;
Por tão
soberbo jubilo movida,
Celebrar
centenario ao immortal
Conde d'Oeiras,
de Pombal Marquez,
No sangue e
n'alma puro portuguez.
XVII
Oh! salve,
minha patria idolatrada,
De eminentes
varões inclyto berço;
Por heroes
excelentes illustrada;
E engrandecida
á face do Universo
Por esse vulto
enorme, alma elevada
Por quem, no
meu singelo e pobre verso
Este sincero
voto aqui registro:--
«Gloria
immortal ao immortal ministro!»
Lisboa, abril
de 1882.
CENTENARIO DO
MARQUEZ DE POMBAL
8 DE MAIO DE
1882