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quarta-feira, 31 de outubro de 2012

O DESASTRE DE LISBOA




I
Tornou-se escuro o céu, sol não se via;
Medonha tempestade se formava;
O solo, se gretando, estremecia
E n'um abysmo grande se tornava!
Lisboa nunca viu tão triste dia;
Perdida toda a gente se julgava;
As casas, sacudidas, oscilavam
E pelo gran' tremor se esmoronavam!

II
O cataclismo nada respeitava;
Palacios, templos, casas destruia,
E nos tristes destroços abysmava
Os miseros que n'elles envolvia.
Uma desgraça tal ninguem poupava
Á grande mortandade, que fazia:
E sob as cantarias deslocadas
As gentes expiravam sepultadas.

III
Em mui breves momentos... a cidade
O mais lugubre quadro apresentava.
Os habitantes, cheios d'anciedade
Que tamanho terror lhes inspirava
E de Deus supplicando, em vão, piedade,
Fugiam para a rua, onde reinava
Na triste, apavorada multidão
A mais indiscriptivel confusão.

IV
Abandonando as casas procuravam
Immersos não ficarem nas ruinas:
Mas, aquelles que d'ellas escapavam,
Sob o ferro das gentes assassinas,
Que d'essa confusão se aproveitavam,
Nas ruas saqueando--almas ferinas!--,
Succumbiram;--que o ferro lhes tirava
Vida, que o terremoto respeitava.

V
E, qual mimosa flor desabrochada
Que cuidadoso trata o jardineiro
Por aspero tufão sendo açoutada
Barbaramente, perde a côr e o cheiro,
E sobre a tenra haste já quebrada
Vai definhando, e morre no canteiro;
Assim as creancinhas, que perdidas
Das mães estavam, eram consumidas.

VI
E, como se uma tal desolação
A flagello das gentes não bastasse,
Bandidos houve que com impia mão
E para que o terror se accrescentasse
N'esta já desditosa occasião,
Um incendio atearam que queimasse,
Nas devorantes chammas que nutriam,
As casas que aos abalos resistiam.

VII
Que perversos instinctos, vis, horriveis
Alimentavam peitos tão malvados!...
Esses torpes facinoras, temiveis,
Dos negros calabouços escapados;
Do infortunio ás vozes insensiveis,
Sem dó nem compaixão dos desgraçados,
Que attonitos nas ruas encontravam,
Os mais horrendos crimes practicavam.

VIII
Esses profugos, todos criminosos
E talvez nas masmorras pervertidos;
Homicidas, ladrões industriosos
Que não estão do vicio inda esquecidos;
D'entre ferros sahindo furiosos,
Por toda a parte correm atrevidos,
O terror augmentando na cidade
Que entregue fica á sua impiedade.

IX
Dos destroços que as ruas impediam,
E centos de cadaveres juncavam,
Dilacerantes gritos se partiam
Dos feridos que n'elles se encontravam,
E lugubres gemidos se sentiam
Dos que em terriveis ancias expiravam!
Outros emfim, correndo desesp'rados,
Ao Tejo se lançavam. Malfadados!...

X
Mas de repente um vulto grandioso,
De excessivo talento e arrojado,
Da patria pelo amor tão orgulhoso,
Por tantas vezes já por si mostrado;
Tantas victimas vendo, pressuroso
Tratou de castigar tanto malvado,
E com duras medidas que adoptou
O negro vandalismo terminou;

XI
E, com essa energia portentosa
De que dotado foi tão largamente,
O estadista de fama gloriosa
Que á patria lembrará eternamente,
A do Tejo rainha tão formosa
Reedificar consegue brevemente.
--E qual flor escapada ao vendaval
Altiva se ergue a linda capital!

XII
Salve, Marquez, a quem Pombal foi berço,
Mais tarde exilio, tumulo na morte!
Do sepulchro em que ha tanto estás immerso
Julgo ver-te surgir altivo e forte:
E, Portugal mostrando ao universo,
Dizeres:--«Eil-a! A patria... foi meu norte;
Hoje, reliquia de passadas glorias,
Como outr'ora não conta já victorias!»

XIII
Após cem annos de teu somno infindo
Esquecido não é teu genio ingente.
Da historia nossa as paginas abrindo,
Aonde a gloria tua é tão patente,
Haverá portuguez que, amor sentindo
P'la patria cara, outr'ora tão fulgente,
Penhorado não lembre o que fizeste
A Portugal que tanto enobreceste?!
XIV
O que importa o dormir da sepultura
Após a vida á patria dedicada,
Se do tempo ou da morte a lima dura
Gastar não póde a gloria conquistada,
Que pela mesma morte já está pura
Se no exilio não foi purificada?!
Festejai portuguezes esse vulto
A quem devemos todos prestar culto!

XV
Eis que chega o momento em que a nação
Outr'ora tanto d'outras invejada,
E que esquecer não sabe a gratidão
Áquelle por quem foi tão levantada,
Tributa cordeal veneração,
De nobres sentimentos animada,
Ao estadista que a nenhum respeito
O proprio reino qu'ria ver sujeito.

XVI
Exultemos de ver agradecida
A patria, n'um festejo nacional,
Da sua elevação não esquecida,
Que deve ao nobre filho de Pombal;
Por tão soberbo jubilo movida,
Celebrar centenario ao immortal
Conde d'Oeiras, de Pombal Marquez,
No sangue e n'alma puro portuguez.

XVII
Oh! salve, minha patria idolatrada,
De eminentes varões inclyto berço;
Por heroes excelentes illustrada;
E engrandecida á face do Universo
Por esse vulto enorme, alma elevada
Por quem, no meu singelo e pobre verso
Este sincero voto aqui registro:--
«Gloria immortal ao immortal ministro!»


Lisboa, abril de 1882.

CENTENARIO DO MARQUEZ DE POMBAL
8 DE MAIO DE 1882