Ao cair da noite de 22 de Julho de 1933, o milionário Charles Urschel, sua esposa e um casal amigo encontravam-se na sua residência numa partida de bridge quando foram subitamente interrompidos por dois homens armados.
“Quem é o Urschel?” – perguntaram.
Quando não obtiveram resposta, forçaram os dois homens a entrar para um veículo que os esperava e arrancaram a grande velocidade.
Mrs Urschel ligou para a polícia e para o FBI.
Hora e meia mais tarde, combalido mas sem sinais de agressão, o amigo de Urschel estava de regresso. Os raptores tinham ficado com a sua carteira, forçaram-no a sair do veículo e foram-se embora com Charles Urschel.
Quatro dias depois, por correio, chegou um pedido de resgate. Numa mensagem manuscrita por Urschel, eram pedidos 200.000 dólares.
Para o pagamento, teriam que publicar um anúncio num jornal local e aguardar.
Posteriormente, um amigo da família recebeu instruções para se alojar num hotel em Kansas City e entregar o dinheiro do resgate.
No dia seguinte, exausto, Urschel regressou a casa.
Charles Urschel era um homem notável. A descrição e os pormenores do rapto fornecidos aos agentes do FBI não encontram paralelo nos anais deste tipo de crime.
Todos os detalhes e incidentes foram memorizados de forma consciente prevendo a sua utilização para a descoberta dos autores e para a resolução do crime.
Eis a descrição dos eventos feita por Urschell:
Na noite do crime, após a libertação do seu amigo, Urschel tinha sido vendado e levado no interior de um veículo durante toda a noite.
De madrugada, tinham trocado de veículo numa garagem ou num barracão. Urschel foi mandado deitar no chão de um carro, que poderia ser um Buick ou um Cadillac.
Três horas mais tarde tinham parado numa estação de serviço para reabastecer. O reabastecimento foi efectuado por uma mulher a quem um dos raptores perguntou sobre a situação da agricultura local.
A mulher respondeu que os cultivos estavam estragados devido à seca persistente que assolava a região.
Na paragem seguinte, outro barracão ou garagem, um dos criminosos mencionou a hora – 14h30.
Ao anoitecer, foi retirado do veículo e conduzido a pé para uma casa onde passou a noite.
Na manhã seguinte, a ultima etapa da viagem terminou numa quinta onde havia vacas e galinhas.
Anotou o chiar do mecanismo quando era retirada água do poço. A água era bebida por uma caneca velha sem asa e tinha um sabor a metal bastante acentuado.
Pelo facto de não lhe terem retirado o relógio, ele anotou que todos os dias pelas 9h45 e pelas 17h45 um avião passava sobre a casa. Reparou ainda que, no dia 30 de Julho, tinha chovido imenso e não tinha ouvido passar o avião da manhã.
Mas o talento de Urschel não se limitava à sua capacidade de observação. Quando lhe soltaram as mãos para redigir a nota de resgate, aproveitou e, de forma despercebida, agarrou todas as superfícies para deixar as suas impressões digitais.
No dia 30 de Julho foi transportado para os arredores de Oklahoma City e libertado.
Na posse de tão detalhada descrição, o FBI concentrou a investigação na trovoada e na quebra de rotina da circulação do avião.
As companhias aéreas com rotas num raio de 600 milhas de Oklahoma City foram contactadas.
A American Airlines reportou que, naquele dia, um avião da rota Forth Worth – Amarillo, tinha efectuado um desvio para Norte para fugir a uma tempestade.
Os cálculos efectuados mostraram que à hora indicada por Urschell aquele avião deveria estar a sobrevoar a região de Paradise – Texas.
Disfarçados de bancários com propostas para extensão de empréstimos, agentes do FBI visitaram todas as quintas da região.
Entre elas ficava a propriedade de R.G. Shannon onde foi detido Harvey Bailey na posse de algumas das notas marcadas que tinham sido entregues para pagamento do resgate.
Foi também apurado que a filha dos Shannon era casada com George “Machine Gun” Kelly, que apesar da alcunha era um criminoso vulgar.
Foram emitidos mandados de busca e detenção para todos os indivíduos relacionados com os Kelly.
Quando Urschell viu o local, de imediato o reconheceu. O poço, a caneca sem asa e a cadeira em que tinha permanecido algemado. Nunca mais se poderia esquecer do sabor daquela água.
Contudo o elemento probatório conclusivo foram as impressões digitais de Urschell. Efectuada a inspecção lofoscópica ao local, as impressões digitais de Urschell foram encontradas em quase todas as superfícies.
Todos os membros do grupo de Kelly foram detidos e condenados a pesadas penas de prisão.
“Machine Gun” Kelly, alcunha foi inventada pela mulher, um trapalhão infeliz, que nunca disparou uma arma na sua vida e teve ainda o azar de ter raptado Charles Urschell, eventualmente o refém mais astuto da história.
Esteve preso até à sua morte em 1954.
Quanto às impressões digitais, fica a curiosidade de, neste caso, terem sido as impressões digitais da vítima e não as dos autores do crime, que contribuíram para múltiplas condenações por rapto.