O Instituto de Gestão Financeira e de Infra-Estruturas da Justiça (IGFIJ) pode ser obrigado a reforçar o seu orçamento em vários milhões de euros, se o Governo não revogar uma portaria do Executivo de José Sócrates que obriga o Ministério Público (MP) a pagar as perícias e exames realizados pela Polícia Judiciária (PJ). Só no caso do Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa, o departamento do Ministério Público com maior número de inquéritos e alguns dos mais complexos, os custos anuais com as perícias podem subir, no mínimo, 6,6 milhões de euros. Mas mesmo este valor está subestimado, pois tem como pressuposto a realização de apenas uma perícia por cada um dos 65.000 inquéritos que entram todos os anos naquele DIAP e um custo médio de 102 euros por exame. Caso esse valor mínimo não seja cabimentado, o orçamento do departamento liderado por Maria José Morgado, avaliado em cerca de 400 mil euros, pode ser reduzido. A norma assinada pelo ex-ministro Alberto Martins entrou em vigor em Maio, mas só agora é que começam a sentir-se as consequências da sua aplicação. A nova tabela de preços inclui praticamente todos os serviços periciais realizados pela Polícia Judiciária (PJ) e pela Direcção-Geral da Reinserção Social (DGRS) – quando a anterior norma apenas se aplicava aos exames do Instituto de Medicina Legal (IML) – e aumenta exponencialmente os gastos dos diferentes departamentos do MP Desde exames e perícias realizadas com crimes de sangue, de armas de fogo, falsificação de assinatura, documento ou moeda, droga, corrupção e outra criminalidade económico-financeira, praticamente tudo o que a PJ faz passa a ser pago. Os valores oscilam entre os 102 euros e os 765 euros, mas existem exames que têm um custo indexado à hora. Por exemplo, todas as perícias económico-financeiras (análises de contabilidades, de contas bancárias e outro património mobiliário, etc.) ou a aparelhos informáticos e de telecomunicações passam a custar cerca de 70 euros cada hora de trabalho. Tendo em conta que estas perícias costumam demorar vários dias ou semanas, facilmente se constata que o seu custo pode ser muito elevado. Tiro pela culatra O objectivo da portaria é assegurar o financiamento da PJ – e da DGRS e do IML -, mas o ‘tiro pode sair pela culatra’, como alerta a procuradora-geral adjunta Maria José Morgado (ver entrevista). Para fazer o pagamento à PJ, o IGFIJ (que recebe a nota de despesa da PJ através do secretário do respectivo serviço do MP que, por sua vez, recebe a nota de despesa para pagar do magistrado titular do processo) pode ser obrigado a cortar noutras despesas correntes do mesmo serviço. Maria José Morgado alerta, em declarações ao SOL, que a «acção penal é pública e exige financiamento público integrado». Isto é, as perícias são feitas em nome do Estado, logo o MP deve ter um financiamento público para pagar as mesmas. Uma solução para o problema passa pela criação de gabinetes periciais dentro do próprio MP, mas tal ainda não está assegurado. Enquanto isso não acontece, o DIAP de Lisboa, por exemplo, conseguiu a aprovação do Governo para a contratação de um perito oficial para casos, entre outros, relacionados com criminalidade violenta, económico-financeira e pornografia infantil na internet. Só em 2010, este especialista realizou 88 perícias informáticas que a P J não tem recursos para realizar. O SOL enviou diversas perguntas para o Ministério da Justiça, mas não recebeu qualquer resposta até ao fecho desta edição. Luís Rosa | Sol | 16-12-2011 ‘A impunidade fica muito mais caraMaria José Morgado Directora do DIAP de Lisboa- É pratica comum na União Europeia o Ministério Público (MP) pagar as perícias ao órgão de investigação criminal? - Nos outros países o MP tem meios periciais. Em Espanha, por exemplo, não há limites orçamentais para as polícias. Neste caso, legislou-se uma espécie de financiamento unilateral da PJ, que desequilibra o barco e vai ‘meter água’. Não coloco em causa as cruciais necessidades da PJ, mas as restantes polícias não arrecadam receitas deste modo. E o MP? A acção penal é pública e exige financiamento público integrado e não financiamentos fragmentados e de eficácia duvidosa. - O processo da Universidade Independente teve um conjunto complexo de perícias contabilísticas. Quanto custariam? - É impossível apurar o valor concreto, mas seria um valor elevadíssimo. Em termos gerais, e partindo do princípio que cada processo tem pelo menos uma perícia e que o DIAP de Lisboa recebe cerca de 65.000 participações por ano, é fácil de compreender que atingiremos gastos importantes. A investigação criminal é cara. Muito mais cara fica a impunidade. - Os DIAP deveriam ter gabinetes periciais próprios? - Sim. Precisamos desses meios, de partilha de informação com as demais instituições do Estado, e não de uma chuva mensal de notas de despesa. Essa lacuna, aliás, é contrária à recomendação da Assembleia da República de Agosto de 2010. Poupar cegamente na investigação criminal ou não gerir os escassos recursos de modo racional, é potenciar a impunidade. O que não é aceitável. O dinheiro do contribuinte também é para ser aplicado na missão de defesa da sociedade contra o crime. Este modelo é falhado, não funciona. SOL 2011-12-16 |